terça-feira, março 07, 2006

A Exclusão Social hoje



1. As dimensões da exclusão social

Não se tem a pretensão de desenvolver aqui uma teoria de exclusão social, daí que não se proponha uma discussão substantiva dos conceitos, antes se parta de alguns pressupostos e proposições que, não sendo pacíficos, correspondem, pelo menos, a posições conhecidas e com fundamento científico discutido (1).


Nesse sentido, considera-se aqui a exclusão social, essencialmente como

Uma situação de falta de acesso às oportunidades
oferecidas pela sociedade aos seus membros


Desse modo, a exclusão social pode implicar privação, falta de recursos ou, de uma forma mais abrangente, ausência de cidadania, se, por esta, se entender a participação plena na sociedade, aos diferentes níveis em que esta se organiza e se exprime: ambiental, cultural, económico, político e social.

Daí que a exlusão social seja necessariamente multidimensional e se exprima naqueles diferentes níveis (ambiental, cultural, económico, político e social), não raramente sendo cumulativa, ou seja, compreendendo vários deles ou mesmo todos.

De outra forma, pode-se dizer que a exclusão social se exprime em 6 dimensões principais do quotidiano real dos indivíduos, ao nível (2):


  • do SER, ou seja da personalidade, da dignidade e da auto-estima e do auto-reconhecimento individual;

  • do ESTAR, ou seja das redes de pertença social, desde a família, às redes de vizinhança, aos grupos de convívio e de interacção social e à sociedade mais geral;

  • do FAZER, ou seja das tarefas realizadas e socialmente reconhecidas, quer sob a forma de emprego remunerado (uma vez que a forma dominante de reconhecimento social assenta na possibilidade de se auferir um rendimento traduzível em poder de compra e em estatuto de consumidor), quer sob a forma de trabalho voluntário não remunerado;

  • do CRIAR, ou seja da capacidade de empreender, de assumir iniciativas, de definir e concretizar projectos, de inventar e criar acções, quaisquer que elas sejam;

  • do SABER, ou seja do acesso à informação (escolar ou não; formal ou informal), necessária à tomada fundamentada de decisões, e da capacidade crítica face à sociedade e ao ambiente envolvente;

  • do TER, ou seja do rendimento, do poder de compra, do acesso a níveis de consumo médios da sociedade, da capacidade aquisitiva (incluindo a capacidade de estabelecer prioridades de aquisição e consumo).


A exclusão social é, portanto, segundo esta leitura, uma situação de não realização de algumas ou de todas estas dimensões.

É o “não ser”, o “não estar”, o “não fazer”, o “não criar”, o “não saber” e/ou o “não ter”.

Esta formulação permite ainda estabelecer a relação entre a exclusão social, entendida desta forma abrangente, e a pobreza, que é basicamente a privação de recursos (exprimindo-se nomeadamente ao nível da exclusão social do fazer, do criar, do saber e/ou do ter), ou seja uma das dimensões daquela.



2. Os factores da exclusão social

Da leitura anterior resulta que os factores da exclusão social estão inevitavelmente associados às dimensões em que ela se exprime, ou seja há factores ambientais, culturais, económicos, políticos e sociais na origem das diversas formass de exclusão social.

Do ponto de vista central desta reflexão há que assinalar que, na origem da exclusão social, podem portanto estar factores económicos, ligados ao funcionamento do sistema económico, às relações económicas internacionais, ao sistema financeiro, etc.

Dado o peso dominante da dimensão económica nas sociedades industriais que marcaram a História da Humanidade dos últimos 200 anos (3), pode-se deduzir que os factores económicos têm tido um peso decisivo (embora não único, nem por vezes suficiente) na explicação de grande parte das situações de exclusão social que surgiram nessas sociedades ou por causa delas.

Para o objectivo desta reflexão pode, no entanto, ser útil, dividir os factores de exclusão social em 3 grandes grupos:

  • a) Factores de ordem macro;

  • b) Factores de ordem meso;

  • c) Factores de ordem micro.

a) Os factores de ordem macro são de natureza estrutural, na sua grande maioria, e estão relacionados com o funcionamento global das sociedades: tipo de sistema económico, regras e imposições do sistema financeiro, modelo de desenvolvimento, estrutura e características das relações económicas internacionais, estratégias transnacionais, valores e princípios sociais e ambientais dominantes, paradigmas culturais, condicionantes do sistema político, atitudes e comportamentos face à Natureza, modelos de comunicação e de informação, processos de globalização, etc.

b) Os factores de ordem meso são frequentemente de natureza estrutural, mas também podem resultar de incidências conjunturais.

São normalmente de âmbito mais local, situando-se no quadro das relações e das condições de proximidade que regulam e interferem no quotidiano dos indivíduos.

Podem ter origem em áreas tão diversas como: políticas autárquicas (se discriminatórias, no sentido negativo), características do mercado local de trabalho, modelos de funcionamento localizado dos organismos desconcentrados da Administração Pública, preconceitos sociais e culturais, normas e comportamentos locais, estratégias de exclusão de actores locais (incluindo as associações e outras organizações), etc.

c) Os factores de ordem micro situam-se ao nível individual e familiar e dependem de lacunas e fragilidades experimentadas nos percursos pessoais, de capacidades frustradas ou não valorizadas, de incidências negativas, etc.

Enquanto que os 2 primeiros tipos de factores (macro e meso) se referem às oportunidades oferecidas (ou negadas) pela sociedade, o último centra-se nas capacidades e competências individuais e familiares.

Em todos estes níveis encontramos factores económicos, quer os que estão relacionados com o funcionamento global da sociedade (sistema económico e financeiro, modelo de desenvolvimento, relações económicas internacionais, etc.), quer os que actuam ao nível local (mercado local de trabalho, comportamentos e estratégias empresariais locais, políticas autárquicas com resultados de exclusão económica, etc.), quer os que caracterizam os percursos individuais e familiares (empregos ocupados, situações de desemprego, qualificações profissionais adquiridas ou ausentes, níveis de remunerações, capacidade quisitiva, modelos de consumo, etc).



3. Algumas notas sobre as estratégias de inserção e de inclusão

Uma vez definida e caracterizada a exclusão social, a sua erradicação implica um duplo processo de interacção positiva entre os indivíduos excluídos e a sociedade a que pertencem e que passa por 2 caminhos:

o dos indivíduos que se tornam cidadãos plenos;

o da sociedade que permite e acolhe a cidadania.

A este duplo processo chamamos integração (na sociedade), não no sentido de “assimilação” (4) , mas antes no entendimento da teoria dos sistemas que permite considerar a integração como um processo de interacção entre uma das partes e outras partes de um todo e com este todo, assumindo essa interacção episódios de interdependência positiva (solidariedade), mas também de tensão e confronto (conflitualidade).

Nesse sentido, a integração (social) de que aqui falamos é o processo que viabiliza o acesso às oportunidades da sociedade, a quem dele estava excluído, permitindo a retoma da relação interactiva entre uma célula (o indivíduo ou a família), que estava excluída, e o organismo (a sociedade) a que ela pertence, trazendo-lhe algo de próprio, de específico e de diferente, que o enriquece e mantendo a sua individualidade e especificidade que a diferencia das outras células que compõem o organismo.

Nestes termos, a integração é sempre uma opurtunidade de mais valia para a sociedade, através do seu enriquecimento pela diversidade (5).

Como duplo processo que foi referido, a integração associa duas lógicas:

- a do indivíduo que passa a ter acesso às oportunidades da sociedade, podendo escolher se as utiliza ou não (em última análise, ninguém pode ser obrigado a sair da sua situação de exclusão social, apenas se podendo viabilizar e aumentar as possibilidades de escolha) – a este processo (se a opção for pela positiva) chamaremos de inserção na sociedade;

- a da sociedade que se organiza de forma a abrir as suas oportunidades para todos, reforçando-as e tornando-as equitativas – a este processo chamaremos de inclusão.

Inserção e inclusão são assim as duas faces de um processo (duplo) que é o da integração.

Ao nível dos factores de exclusão social antes enunciados, isto implica:

- remover ou, pelo menos, minimizar os factores macro e meso e, por outro lado, reforçar e maximizar as oportunidades permitidas pela sociedade, o que remete para o conceito de “inclusão” e de “sociedade inclusiva”;

- remover ou, pelo menos, minimizar os factores micro e, sobretudo, promover as capacidades e competências individuais e familiares, o que faz apelo ao conceito de “inserção” e de “empowerment”.

Quanto a este último aspecto, e se se retomar as dimensões da exclusão social atrás apresentadas, estamos a falar da promoção e reforço das capacidades e competências a 6 níveis:

  • Competências do SER, ou seja competências pessoais: reforço de auto-estima e da dignidade, auto-reconhecimento, etc.;

  • Competências do ESTAR, ou seja competências sociais e comunitárias: reactivação ou criação das redes e dos laços familiares, de vizinhança e sociais mais gerais, retoma ou desenvolvimento das interacções sociais, etc.;

  • Competências do FAZER, nomeadamente competências profissionais: qualificações profissionais, aprendizagem de tarefas socialmente úteis, partilha de saberes-fazeres, etc.;

  • Competências do CRIAR, ou seja o que podemos designar por competências empresariais: capacidade de sonhar e de concretizar alguns sonhos, assumindo riscos, protagonizando iniciativas, liderando projectos (mesmo os mais simples) de qualquer tipo, etc.;

  • Competências do SABER, ou seja competências informativas: escolarização, outras aprendizagens de saberes formais e informais, desenvolvimento de modelos de leitura da realidade e de capacidade crítica, fundamentação das decisões, etc.;

  • Competências do TER, consubstanciadas no que se poderia apelidar de competências aquisitivas: acesso a um rendimento e sua tradução em poder de compra, capacidade de priorizar e escolher consumos, etc.

    Se, como se viu, os factores económicos podem ser decisivos na explicação de grande parte das situações de exclusão social, consequentemente também a dimensão económica da integração assume importância crucial, quer na perspectiva da inserção (processo assumido pelos indivíduos e famílias), quer na da inclusão (mudança da sociedade que reforça e abre as oportunidades que oferece aos seus membros, se torna mais democrática e equitativa e viabiliza a cidadania de forma generalizada).



    NOTAS

    (1) Por autores como Atkinson e Peter Townsend, ou, em Portugal, Amélia Bastos, Alfredo Bruto da Costa, João Ferreira de Almeida, José Pereirinha, Leonor Vasconcelos, Luís Capucha e Manuela Silva.
    (2) Neste ponto propõe-se uma formulação da nossa responsabilidade.

    (3) E que, por isso, é conhecido pela Era do “Homo Oeconomicus”

    (4) Como em geral é entendido o conceito de integração pelos cientistas sociais em Portugal, o que os tem conduzido a rejeitá-lo e a substituí-lo, conforme as origens disciplinares, por conceitos como “inserção” e “inclusão”.

    (5) Que como a Biologia e a Ecologia mostram, é um dos factores decisivos da Vida.




  • ROGÉRIO ROQUE AMARO